Jogos de Poder: operação
terreno partido (Devir, 2008), de Greg Rucka (roteiro) e Steve Rolston (desenhos), é uma das
mais instigantes HQs autorais lançadas em nossas bancas e livrarias. Somos
apresentados a Tara Chace, integrante de uma Divisão Especial do Ministério da
Inteligência britânico. Ela é uma das agentes que atende pelo codinome
“Guardião”, cuja tarefa reside em atuar quando a política mundial fica particularmente
suja, exigindo uma moral e uma atitude mais “flexíveis”. Nesse cenário, Chace
está ciente de que é uma peça conduzida pelos interesses de seus patrões, e
cada passo dado pode muito bem ser o último. Valendo-se de uma admirável sutileza
psicológica, Greg Rucka tece uma personagem complexa, quase uma versão feminina
(e realística) de James Bond, tão mortífera quanto vulnerável, que sofre com o
dilema de levar uma vida normal (o simples desejo de passear com um namorado,
por exemplo, demonstrado em uma das belas sequências da HQ, é anulado pelo
comprometimento de sua “missão”) e atuar forçosamente como uma agente secreta,
num jogo onde todos querem ganhar, independente das consequências. Não há mais guerra fria,
não há mais um “inimigo” declarado, e cada sangue derramado configura tão
somente como um crime. Com cenas de
ação calculadas, sem pirotecnicismo,
Jogos de Poder contrasta com as HQs mais cinemáticas e comercias, optando
por desenvolver uma história que pareça crível para o leitor; personagens cuidadosamente
desenhados, sem excessos que possam resultar numa fria caricatura (o achado
irônico na arte de Rolston: traços levemente caricaturais, mas transparentes
nas emoções dos personagens). O universo da espionagem é cruamente despido, sem
os clichês costumeiros do gênero, dando vazão à intrigas orquestradas por sujeitos
com “licença” para matar (a ironia de Rucka: mata-se por mera “troca de
favores”. O fator humano, portanto, reduzido a zero). Oriundo dos quadrinhos independentes, Greg Rucka,
também romancista, escreveu para diversos personagens das grandes editoras
americanas como Batman, Super-Homem, Mulher-Maravilha, Wolverine, Homem-Aranha
e Elektra. Todavia, são em séries autorais como Jogos de Poder que Rucka se sobressai melhor como escritor,
explorando temas e formas com mais liberdade. Uma prova que os quadrinhos
operam bem melhor na “outra margem” da indústria.
Excelente resenha, caríssimo. Deu vontade de ler.
ResponderExcluirAquele abraço. L
Uma ótima leitura desta HQ, Thiago, que é, sem dúvida, uma das poucas que suportam uma segunda leitura. Em tempos de mortos-vivos, de muita badalação e pouco conteúdo, um contraponto de valor. Abraço!
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