domingo, 17 de novembro de 2013

Jogos de Poder



Jogos de Poder: operação terreno partido (Devir, 2008), de Greg Rucka (roteiro) e Steve Rolston (desenhos), é uma das mais instigantes HQs autorais lançadas em nossas bancas e livrarias. Somos apresentados a Tara Chace, integrante de uma Divisão Especial do Ministério da Inteligência britânico. Ela é uma das agentes que atende pelo codinome “Guardião”, cuja tarefa reside em atuar quando a política mundial fica particularmente suja, exigindo uma moral e uma atitude mais “flexíveis”. Nesse cenário, Chace está ciente de que é uma peça conduzida pelos interesses de seus patrões, e cada passo dado pode muito bem ser o último. Valendo-se de uma admirável sutileza psicológica, Greg Rucka tece uma personagem complexa, quase uma versão feminina (e realística) de James Bond, tão mortífera quanto vulnerável, que sofre com o dilema de levar uma vida normal (o simples desejo de passear com um namorado, por exemplo, demonstrado em uma das belas sequências da HQ, é anulado pelo comprometimento de sua “missão”) e atuar forçosamente como uma agente secreta, num jogo onde todos querem ganhar, independente das consequências. Não há mais guerra fria, não há mais um “inimigo” declarado, e cada sangue derramado configura tão somente como um crime. Com cenas de ação calculadas, sem pirotecnicismo, Jogos de Poder contrasta com as HQs mais cinemáticas e comercias, optando por desenvolver uma história que pareça crível para o leitor; personagens cuidadosamente desenhados, sem excessos que possam resultar numa fria caricatura (o achado irônico na arte de Rolston: traços levemente caricaturais, mas transparentes nas emoções dos personagens). O universo da espionagem é cruamente despido, sem os clichês costumeiros do gênero, dando vazão à intrigas orquestradas por sujeitos com “licença” para matar (a ironia de Rucka: mata-se por mera “troca de favores”. O fator humano, portanto, reduzido a zero). Oriundo dos quadrinhos independentes, Greg Rucka, também romancista, escreveu para diversos personagens das grandes editoras americanas como Batman, Super-Homem, Mulher-Maravilha, Wolverine, Homem-Aranha e Elektra. Todavia, são em séries autorais como Jogos de Poder que Rucka se sobressai melhor como escritor, explorando temas e formas com mais liberdade. Uma prova que os quadrinhos operam bem melhor na “outra margem” da indústria.

2 comentários:

  1. Excelente resenha, caríssimo. Deu vontade de ler.
    Aquele abraço. L

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  2. Uma ótima leitura desta HQ, Thiago, que é, sem dúvida, uma das poucas que suportam uma segunda leitura. Em tempos de mortos-vivos, de muita badalação e pouco conteúdo, um contraponto de valor. Abraço!

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