domingo, 27 de julho de 2014

O Grande Gatsby, um clássico em quadrinhos





Valendo-se de técnicas narrativas que conseguem ampliar a ação de qualquer história, o mangá é possivelmente o gênero de histórias em quadrinhos mais popular entre os leitores brasileiros. É curioso, portanto, que a linguagem ágil e dinâmica dos mangás tenha servido muito bem para a adaptação do romance O Grande Gatsby, da série L&PM Pocket Mangá.
Originalmente publicado em 1925, O Grande Gatsby é considerado por muitos críticos como a obra-prima do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald. Ambientado durante a febril “era do jazz”, o romance narra a história de Jay Gatsby, um misterioso milionário que promove festas que parecem nunca ter fim. Todavia, por trás da riqueza e da opulência, esconde-se um mundo desencantado e cheio de excessos, personagens encerrados num grande vazio existencial, além de uma história de amor marcada pelo signo da tragédia. São esses aspectos, que radiografam tão bem a “geração perdida” da época posterior à primeira guerra mundial, que tornaram o romance um dos marcos da literatura mundial.
O Grande Gatsby, versão mangá, tem adaptação e ilustrações da Equipe East Press, e opta, como é esperado, em respeitar o texto original, conduzindo fielmente cada situação. Além disso, estão presentes as diversas técnicas consagradas pelos artistas japoneses, como a distorção visual (quase expressionista) que exibe os estados interiores dos protagonistas, os fundos hachurados que garantem um maior efeito de movimento, além da diagramação inventiva que procura envolver plenamente o leitor dentro da narrativa. A princípio, tais procedimentos concorrem para diluir a densidade psicológica do livro, haja vista que o texto literário opera com outro ritmo, manifestando-se numa ou noutra forma cifrada. No entanto, estes mesmos procedimentos podem se mostrar acertados para garantir uma transposição de qualidade.
Tomemos outro recurso usual pelos mangás, as páginas mudas. Por meio da observação direta, pode-se montar mentalmente as cenas, sem a intervenção de um narrador onisciente, gerando, por conseguinte, uma maior cumplicidade com o leitor. Na versão mangá de Gatsby, tal recurso mostra-se surpreendentemente inspirado, com sequências visuais cheias de não-ditos, metáforas que revelam uma paisagem humana e fragilizada.  Texto e imagem surpreendentemente estão harmonizados, sem abusar da narrativa original para gerar sequências verborrágicas e redundantes, a exemplo da mais recente produção cinematográfica dirigida por Baz Luhrmann. Ora, estamos falando de quadrinhos, narrativa gráfica, e uma quantidade quase absurda de texto pode e compromete a qualidade visual da narrativa, o mesmo valendo para o cinema. Daí a surpresa do Gatsby mangá, cujo dinamismo gráfico acabou se mostrando bem-vindo em reelaborar cenários e ambientes, gerando novos efeitos de sentido, sem ignorar ou obscurecer a riqueza do texto de Fiztgerald.
Embora esteja claro que é uma adaptação que visa agradar o público jovem, mais costumeiro e receptivo à estética dos mangás, esta incursão dos quadrinhos japoneses pelo universo de F. Scott Fitzgerald goza de uma liberdade artística até incomum para a adaptação de um clássico da literatura universal, o que nos faz lembrar que o mangá nem sempre é sinônimo de ação vertiginosa e fantasia. Que o jovem leitor tenha então a chance de descobrir, a um só tempo, um grande livro e um grande gibi.


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