Valendo-se de técnicas narrativas que conseguem ampliar a ação de
qualquer história, o mangá é possivelmente o gênero de histórias em quadrinhos
mais popular entre os leitores brasileiros. É curioso, portanto, que a
linguagem ágil e dinâmica dos mangás tenha servido muito bem para a adaptação
do romance O Grande Gatsby, da série L&PM Pocket Mangá.
Originalmente publicado em 1925, O
Grande Gatsby é considerado por muitos críticos como a obra-prima do escritor
norte-americano F. Scott Fitzgerald. Ambientado durante a febril “era do jazz”,
o romance narra a história de Jay Gatsby, um misterioso milionário que promove
festas que parecem nunca ter fim. Todavia, por trás da riqueza e da opulência,
esconde-se um mundo desencantado e cheio de excessos, personagens encerrados
num grande vazio existencial, além de uma história de amor marcada pelo signo
da tragédia. São esses aspectos, que radiografam tão bem a “geração perdida” da
época posterior à primeira guerra mundial, que tornaram o romance um dos marcos
da literatura mundial.
O Grande Gatsby, versão mangá,
tem adaptação e ilustrações da Equipe
East Press, e opta, como é esperado, em respeitar o texto original,
conduzindo fielmente cada situação. Além disso, estão presentes as diversas
técnicas consagradas pelos artistas japoneses, como a distorção visual (quase
expressionista) que exibe os estados interiores dos protagonistas, os fundos
hachurados que garantem um maior efeito de movimento, além da diagramação
inventiva que procura envolver plenamente o leitor dentro da narrativa. A
princípio, tais procedimentos concorrem para diluir a densidade psicológica do
livro, haja vista que o texto literário opera com outro ritmo, manifestando-se
numa ou noutra forma cifrada. No entanto, estes mesmos procedimentos podem se
mostrar acertados para garantir uma transposição de qualidade.
Tomemos outro recurso usual pelos mangás, as páginas mudas. Por meio da
observação direta, pode-se montar mentalmente as cenas, sem a intervenção de um
narrador onisciente, gerando, por conseguinte, uma maior cumplicidade com o
leitor. Na versão mangá de Gatsby, tal recurso mostra-se surpreendentemente
inspirado, com sequências visuais cheias de não-ditos, metáforas que revelam
uma paisagem humana e fragilizada. Texto
e imagem surpreendentemente estão harmonizados, sem abusar da narrativa
original para gerar sequências verborrágicas e redundantes, a exemplo da mais
recente produção cinematográfica dirigida por Baz Luhrmann. Ora, estamos falando
de quadrinhos, narrativa gráfica, e uma quantidade quase absurda de texto pode
e compromete a qualidade visual da narrativa, o mesmo valendo para o cinema.
Daí a surpresa do Gatsby mangá, cujo dinamismo gráfico acabou se mostrando
bem-vindo em reelaborar cenários e ambientes, gerando novos efeitos de sentido,
sem ignorar ou obscurecer a riqueza do texto
de Fiztgerald.
Embora esteja claro que é uma adaptação que visa agradar o público jovem,
mais costumeiro e receptivo à estética dos mangás, esta incursão dos quadrinhos
japoneses pelo universo de F. Scott Fitzgerald goza de uma liberdade artística
até incomum para a adaptação de um clássico da literatura universal, o que nos
faz lembrar que o mangá nem sempre é sinônimo de ação vertiginosa e fantasia.
Que o jovem leitor tenha então a chance de descobrir, a um só tempo, um grande
livro e um grande gibi.
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